Como Diretor Financeiro da Prévoir, tenho acompanhado de perto a evolução recente do setor segurador em Portugal e na Europa. Vivemos um período de elevada incerteza macroeconómica, marcado pela trajetória ainda volátil das taxas de juro, pelas novas exigências regulatórias e pelas mudanças estruturais nos hábitos de poupança e consumo das famílias. O ramo Vida, em particular, encontra-se no centro destas dinâmicas, o que exige uma reflexão estratégica sobre o presente e, sobretudo, sobre os próximos meses.
1. O enquadramento macroeconómico e a política monetária
Após um ciclo prolongado de taxas de juro historicamente baixas, o Banco Central Europeu iniciou, em 2022, um processo de normalização monetária com sucessivos aumentos das taxas diretoras. Este movimento visou controlar a inflação, mas trouxe consigo desafios importantes para o setor segurador.
Por um lado, a subida das taxas de juro reforçou a atratividade relativa dos produtos financeiros tradicionais, como os depósitos a prazo ou a dívida pública, concorrendo diretamente com os seguros de capitalização e os PPR de natureza garantida. Por outro lado, abriu oportunidades relevantes no lado do ativo: os portfólios de investimento das seguradoras, em particular os de longo prazo, passaram a poder captar rendimentos mais elevados em obrigações de qualidade.
Hoje, em 2025, a discussão centra-se no ritmo e na sustentabilidade de uma eventual descida gradual das taxas. A inflação na Zona Euro tem dado sinais de moderação, mas permanece sensível a fatores externos, como os preços da energia e a instabilidade geopolítica. Assim, é expectável que o BCE adote uma postura prudente, baixando taxas de forma progressiva, sem regressar tão cedo ao nível próximo de zero que marcou a década anterior.
2. Impacto no ramo Vida: riscos e oportunidades
Este contexto traduz-se em implicações diretas para o ramo Vida em Portugal.
- Produtos de poupança garantida: Nos últimos anos, a pressão sobre as taxas técnicas reduziu a atratividade de muitos contratos de capitalização. Contudo, com yields obrigacionistas mais favoráveis, existe margem para reforçar a competitividade destes produtos, ainda que com prudência face às regras de solvência e ao risco de duration mismatch.
- Produtos unit-linked e híbridos: A procura por soluções com maior potencial de rentabilidade mantém-se, sobretudo entre clientes mais jovens e informados financeiramente. Aqui, o papel do aconselhamento responsável é fundamental para explicar riscos e alinhar expectativas. O futuro próximo deverá ver um crescimento continuado deste segmento, apoiado em inovação e digitalização.
- Reformas e poupança de longo prazo: O envelhecimento demográfico em Portugal é uma realidade incontornável. A pressão sobre o sistema público de pensões continuará a abrir espaço para soluções privadas de reforma, onde o seguro Vida pode assumir um papel central. O enquadramento fiscal dos PPR permanece um fator decisivo para dinamizar esta procura.
3. Regulação e confiança do consumidor
Outro vetor incontornável é a regulação. O impacto de regimes como o IFRS 17 e as exigências de reporte em sustentabilidade (CSRD, SFDR) está a transformar a forma como comunicamos e gerimos os nossos produtos. No caso do ramo Vida, a transparência quanto aos riscos, custos e impactos ambientais e sociais dos investimentos tornou-se não apenas uma obrigação legal, mas também uma condição para conquistar a confiança do consumidor.
A confiança é, aliás, o ativo mais valioso do setor. Num momento em que os clientes comparam com facilidade rentabilidades, custos e alternativas digitais, as seguradoras devem destacar-se pela solidez, clareza de comunicação e proximidade no serviço.
4. Como reagir nos próximos meses
Na Prévoir, acreditamos que o futuro próximo deve ser encarado com realismo, mas também com ambição. As principais linhas de atuação para o ramo Vida em Portugal passam por:
- Reforçar a proposta de valor nos produtos garantidos, beneficiando do novo enquadramento de taxas para oferecer soluções seguras e competitivas.
- Apostar em soluções flexíveis e híbridas, que combinem capital garantido com uma componente de investimento, ajustando-se ao perfil de risco de cada cliente.
- Promover literacia financeira e transparência, ajudando os clientes a compreenderem melhor as opções disponíveis e a tomarem decisões informadas.
- Integrar critérios ESG nos investimentos, alinhando a rentabilidade financeira com a responsabilidade social e ambiental.
- Digitalizar processos e experiência do cliente, assegurando maior rapidez, simplicidade e personalização.
Conclusão
O ramo Vida em Portugal enfrenta meses decisivos, onde as taxas de juro, a regulação e as expectativas dos clientes moldarão a evolução da atividade. Apesar da incerteza, vejo mais oportunidades do que riscos: temos hoje condições para oferecer soluções de poupança mais robustas, alinhar os nossos produtos com as necessidades de longo prazo da população e consolidar a confiança dos clientes na solidez da Prévoir.
Em suma, estamos perante um momento charneira: cabe-nos transformar a conjuntura em vantagem competitiva, fazendo do ramo Vida não apenas um produto financeiro, mas uma verdadeira resposta às necessidades de segurança e futuro das famílias portuguesas.
Hugo Vieira
Diretor financeiro da Prévoir